Roses (@Srta_Park) — Autem: Damnare Rosis
Roses (@Srta_Park)
Autem: Damnare Rosis
Primavera, 4 de Abril
Jeongguk apanhou uma das toalhas penduradas no banheiro externo de sua casa e a pôs sobre o pescoço, após vestir-se para dormir, e caminhou para dentro do casebre. Seu pai não estava em casa; havia saído antes do amanhecer para caçar e voltaria somente quando conseguisse capturar o animal no qual havia mirado desta vez, o que duraria, pelo menos, dois dias. Assim como sí, o homem era determinado e quando focava em algo, era aquilo ou nada mais.
Seu filho não comia carne; de nenhum tipo. Então, costumava caçar somente uma vez por semana. O castanho odiava a idéia de ingerir algo que outrora já tivera vida e, quem sabe, uma família. Não tinha preconceito com quem o fazia; tinha em mente que os animais também foram concedidos por Deus como alimentos para os vivos, contudo, ainda assim preferia alimentar-se somente de frutas e vegetais.
As consequências desses atos eram boas e ruins, em sua concepção. Era saudável e forte, o que lhe permitia ajudar seu pai com o rebanho e a lavoura e assim, poupar seu progenitor do trabalho braçal, já que este estava velho e fraco. Contudo, como tudo que é bom traz más consequências, havia também um lado ruim.
Era bonito, muito bonito; Os cabelos castanho-acobreados, a pele clara e sem manchas, os lábios naturalmente avermelhados, os olhos negros e, principalmente, os músculos firmes devido ao trabalho braçal. E isso, com certeza, atraia olhares e palavras nada boas sobre a sua pessoa. As moças da vila o cobiçavam, e os outros alfas tinham ódio de si por tal; não tinha interesse em nenhuma delas, nem mesmo nos rapazes ômegas ou betas, contudo, isso não parecia suficiente para que não fosse intimidado ou excluído naquele lugar que sequer podia chamar de lar.
E isso não era tudo.
Aquelas que não o desejavam — ou o faziam, mas haviam sido rejeitadas — tinham ódio e inveja de si por ser mais bonito, até mesmo, que elas. E isso era um inferno para o primogênito dos Jeon.
Crescera quieto e calado. Sempre fora tímido e detestava chamar atenção, ainda que fosse o que mais fazia. Por essas e outras razões, preferia mil vezes ficar dentro de sua casa humilde, ajudar seu pai com as tarefas da pequena fazenda que possuíam e cultivar suas tão amadas rosas — embora esse último não pudesse fazer.
Jungkook amava flores; especialmente as rosas. Contudo, seu pai havia o proibido de as ter. Segundo o mais velho, as rosas vermelhas eram as preferidas da rainha que fora deposta dezessete anos atrás e portanto, foram banidas do reino. Caso os guardas reais as encontrasse em sua casa, estaria em problemas.
Jeon achava isso um absurdo. Horas, que culpa aquelas belas obras de Deus tinham de alguém considerado indigno às adorar? Que culpa tinha ele de gostar de algo que aquela tal rainha também?
Ele poderia até ter as brancas, amarelas ou de qualquer outra cor, contudo, até mesmo nestas seu pai cismou; dizia que se ele possuísse de um só tipo, iria desejar as outras.
Era frustrante, mas obedeceu-o sem contestar.
Caminhou até os poucos lampiões distribuídos pelo pequeno casebre e os apagou, um à um, até chegar ao último, que estava posto no pequeno alpendre acoplado à frente de sua casa. Apenas ignorou o fato de que aquela, provavelmente, era a única luz acesa em toda vila, e simplesmente foi até o muro baixo que ali havia. Apoiou suas mãos no local e passou a observar o céu.
Na verdade, lhe era muito comum observar as estrelas durante a calada da noite, enquanto estava sozinho. Era reconfortante e em sua mente criativa, gostava de imaginar que todo aquele brilho em meio à noite, era uma forma que seu Deus havia encontrado de mostrar-lhes que sempre haveria luz em meio à escuridão, ainda que houvesse dias onde ela não pudesse ser vista.
Jungkook odiava os dias não-estrelados, mas gostava de pensar que viriam outros mais belos em seguida; era como o inverno para si. Não gostava da sensação que ele lhe causava, mas amava saber que após ele viria a primavera.
Desgostava de muitas coisas, francamente falando, mas não era preciso de muito para satisfazê-lo; o silêncio e tranquilidade lhe eram o suficiente.
Podia ser muito confuso para outrem, mas não lhe importava. Eram os seus pensamentos e seus sentimentos, além de que a idéia de compartilhá-los com alguém tampouco lhe agradava.
Trajava somente uma simples calça preta e folgada, o vento daquela noite de primavera estava mais gélido que o comum e surrava seu tronco desnudo, entretanto, não se deixou intimidar. Embora não gostasse de frio, o céu estrelado lhe fascinava de uma forma que sequer prestava atenção em outros detalhes.
Não estava com sono, poderia permanecer ali até que os primeiros raios solares cortassem o horizonte. Entretanto, era uma pessoa de rotina estabelecida, e não pretendia quebrá-la por algo tão banal quanto o desejo — ainda que fosse o seu próprio — pois sabia que se o fizesse uma vez, transformaria-se em um mal costume que, com certeza, somente iria trazê-lo problemas com os quais não queria ter de lidar. Como, por exemplo, a quebra de alguns outros de seus costumes fixos.
E portanto, levantou a tampa de vidro e soprou levemente, fazendo com que assim, a vela acesa dentro do lampião se apagasse, deixando apenas alguns poucos resquícios de fumaça — que logo foram arrastados pelo vento.
Jungkook suspirou, sorrindo sem entreabrir os lábios e olhou mais uma vez para cima, pretendendo fechar os olhos com a imagem bonita das estrelas sobre si. E então, deu as costas, caminhando mais uma vez para dentro do casebre humilde e foi até ao seu quarto, não tardando a deitar-se sob os lençóis, fechar os olhos e deixar que seus níveis de melatonina se tornassem baixos o suficiente para que o sono pudesse lhe dominar.
• • •
Jungkook acordou assustado e confuso. Uma voz melodiosa soava ao fundo e isso lhe impediu de fechar os olhos e voltar a dormir. Mexeu-se na cama, ficando frustrado quando aquela voz tornou-se mais alta.
Parecia que estavam cantando bem ao lado de seu ouvido e o mais estranho era que isso não era nem de longe incômodo. A voz era bonita e podia compará-la até mesmo com o canto de uma jovem sereia; hipnotizador.
Gostaria de poder dizer que resistiu à vontade de se erguer e procurar a raiz daqueles sons tão bonitos, porém estaria mentindo; nem sequer cogitou outra possibilidade quando seu corpo pareceu assumir vontade própria e antes que pudesse raciocinar, já estava de pé do lado de fora de sua casa, olhando para todos os lados à procura de qualquer sinal de vida. O canto havia cessado.
Já estava amanhecendo. Os raios solares cortavam o céu em tons de amarelo, laranja, vermelho e roxo; deixando-o esplendidamente belo. Mas, inesperadamente, Jungkook sequer notou isso.
Sentia perfeitamente a grama molhada sob seus pés e o vento gélido rasgando sua pele pálida. Deu o primeiro passo e um calafrio agonizante subiu pela sua espinha, a música voltou a soar, dessa vez ao longe. Olhava para todos os lados, a visão estava turva. Focou suas orbes em um certo ponto a sua frente; por entre as enormes árvores que cercavam o casebre, avistou uma mulher.
Ela estava de costas, e mesmo que forçasse sua vista, não conseguiu reconhecê-la. Tinha longos cabelos castanho-acobreados — assim como os seus — em um penteado bonito que enlaçava apenas alguns fios das laterais opostas, dando uma espécie de nó quando se encontravam e o resto do cabelo caia sobre suas costas, como um tapete. Trajava belas vestes vermelhas e com detalhes que se assemelhava ao ouro, arrastando pelo chão enquanto ela caminhava mais adentro da floresta, sem fitá-lo.
— Ei, quem é você?
Foi inútil; ela não lhe respondeu, sequer pareceu ouvi-lo.
Algo dentro de si tinha ciência de que a voz estava vindo daquela mulher. E talvez tenha sido sua curiosidade em para onde ela iria, ou, quem sabe, fora a intuição que lhe dizia que ela lhe levaria até algum lugar que desejava internamente, mas seguiu-a sem pestanejar.
Seus passos eram cautelosos; um na frente do outro, lentamente. Os olhos sempre focados na frente, independentemente daquilo que estava ao seu redor. Estava cada vez mais dentro da mata.
As palavras de seu pai martelavam em sua mente como um loop infinito. “Não vá ao núcleo da floresta, Jungkook. É perigoso. A fera vive lá.”
Sabia que a tal fera era o príncipe exilado. Todos na vila falavam de si. Os rumores diziam que ele era alguém horrendo e impiedoso, totalmente o contrário de seu pai, o atual rei. Que ele fora banido aos dois anos de idade após o ritual celestial dos príncipes.
Todos os príncipes primogênitos passavam por isso vinte e um dias após seu nascimento; contudo, como o pai da “fera” fora coroado tardiamente, o dele acontecera de igual forma. Era um ritual trabalhoso; levava dias de preparação. A rainha-mãe sempre ficava responsável por tal, juntamente com o gabinete das xamãs reais. Ele durava três dias, com apresentações de dança e um banquete em homenagem aos deuses — O que Jungkook considerava uma blasfêmia. Ele acreditava em somente um Deus, e detestava os costumes reais que serviam á diversos — e ao fim do crepúsculo do terceiro dia, a xamã principal “recebia a ordem dos céus” e revelava o nome celestial do príncipe.
E foi o mesmo com o exilado, contudo, o nome que ele recebera fora Pónos Thanatos, e seu significado chocou o reino.
Dor e Morte.
Isso foi o suficiente para o conselho e o povo abominar a criança e ela ser mandada para o castelo de inverno que habitava no núcleo da floresta; onde ninguém do reino podia entrar sem a permissão real.
Porém, como já era de se esperar, algumas pessoas tiveram a audácia de chegar à barreira de proteção e tentar adentrar a parte obscura da floresta. O final dessas pessoas nunca fora bom. Seus corpos sempre eram encontrados sem vida; estraçalhados como se houvessem sido capturados por animais de porte enorme.
Segundo as lendas, era o príncipe que o fazia; por vingança e maldade pura. E por tal, todos na vila o chamavam de fera.
Jeongguk nunca foi de acreditar em lendas, mas não via necessidade alguma de comprovar isso; tampouco era um daqueles garotos imaturos que desejavam provar uma valentia inexistente.
Porém, desta vez não pode resistir; não importava para onde estava indo, só queria encontrar o dono daquela voz que parecia lhe chamar. Em certo momento, a mulher passou a tomar velocidade e ele também o fez pelo medo de perdê-la de vista, apressando o passo até que estivesse praticamente correndo ali.
Estava cada vez mais difícil enxergá-la. Quando mais adentrava naquele lugar, mais tudo escurecia e sua visão dificultava. Acabou por perdê-la de vista. Parou, olhando para todos os lados mais uma vez. O coração batia forte no peito. A voz parecia vir de todos os lados e isso estava deixando sua mente confusa.
Até que tudo parou. O silêncio dominou o ambiente e a calmaria pareceu invadir-lhe de um momento para o outro. Decidiu procurá-la de uma outra forma.
Aos poucos, sentiu seus ossos estalarem e se alongarem. Várias camadas do pelo longo e negro se formando sobre sua pele esbranquiçada; as mãos e pés sendo substituídas por enorme patas escuras, suas unhas e dentes se transformando em garras e presas afiadas e letais.
Estava assumindo a sua forma lupina.
Já em quatro patas, fechou os olhos, respirando fundo e lentamente. Concentrou todas as células de seu corpo em identificar de onde realmente vinha o som. O vento frio brincava com seus pelos negro-avermelhados e tornava seu nariz sensível, porém não se incomodou.
Foi quando sentiu; um cheiro inebriante de rosas. Rosas vermelhas.
Em um rompante, abriu os olhos, tendo ciência de que estes se encontravam completamente negros e assim, uma espécie de mapa se formou em sua mente; onde uma luz forte e vermelha fazia um caminho e pelo seu instinto, pôde identificar que aquele era o caminho que deveria seguir.
Não pensou muito quando começou a andar. A velocidade aumentando até o ponto em que corria desesperadamente entorpecido, sentindo aquele cheiro doce e o canto que tornavam-se mais forte e mais alto à cada segundo.
Correu tanto que sequer notou quando seu corpo atravessou a barreira opaca que isolava o centro da floresta; mas ao chegar do outro lado, parou.
Não havia nada ali.
Estava claro, tudo tão claro quanto o mais lindo dia de primavera, porém vazio.
Era uma espécie de campo. A grama verde-claro reluzia no solo, fazendo uma espécie de círculo gigante, cujo qual era rodeado pelas grandes e longas árvores.
O alfa ficou confuso e passou a caminhar em passos lentos e calmos pelo lugar; de olhos fechados, somente ouvindo o canto soar baixinho em sua audição, quase como um sussurro abafado. Não entendia direito o que estava sendo dito naquela melodia, mas tinha certeza de que se tratava de uma canção de ninar.
E por sinal, tinha a sensação de que a conhecia de algum lugar.
Seu coração se acelerava cada vez mais e podia ouvi-lo quase como se estivesse ao lado de seu ouvido; seu lobo conseguiu captar mentalmente o lugar exato de onde vinha o canto e então, parou.
Com a respiração entrecortada e os olhos brilhando em ansiedade, abriu os olhos. Seu semblante se tornou confuso ao notar que todas aquelas sensações provinham de uma coisa esquisito descansando no chão; no centro do círculo.
Uma rosa vermelha, estranhamente flutuando dentro de uma espécie de casulo feito de vidro. Estava hipnotizado, não conseguiu resistir a vontade de tocar ali; e assim o fez.
Retirou a barreira transparente e tocou diretamente na rosa; porém, para sua surpresa e apavoramento, a rosa criou espinhos, e estes perfuraram seus dedos.
Ao passo que seu sangue entrou em contato com a planta, todo o ambiente se transformou. De belo e cálido, para sombrio e desesperador.
A rosa flutuou sobre sua cabeça, fazendo-o grunhir sentindo a ardência da ferida em seu dedo se espalhar como uma doença por todo o corpo, dando-lhe a sensação de como se estivesse sendo queimado vivo.
O lobo uivou de dor, caindo e começando a se contorcer no chão, até que não aguentou mais e sem perceber, voltou a tomar a forma humana, intensificando ainda mais a queimação.
Gritos de agonia ecoavam pelo lugar e então, com os olhos marejados e opacos, pode avistar a planta sobre si, assumir uma coloração escura, e começar a sangrar, deixando gotas e mais gotas do líquido viscoso sujar ao chão, até que quando um raio cortou o céu, agora escuro, uma labareda de fogo se ateou e queimou-a aos poucos.
Os gritos agudos e intensificaram de uma forma que fez Jungkook chorar desesperado, soluçando enquanto as lágrimas grossas banhavam sua face suja de sangue.
Até que tudo parou. O céu voltou a se iluminar e a dor cessou, contudo, ao notar que aquela planta tornou-se pó e morrera pelo seu toque, uma dor muito pior se instalou em seu ser. E não era física.
Mas ele não sabia de onde vinha.
— Jeongguk!
Abriu os olhos atordoado, sentando-se na cama por impulso quando o ar entrou em seus pulmões em um rompante, como se tivesse parado de respirar por alguns minutos.
— Jeongguk, recomponha-se. Você precisa sair daqui agora!
Ouviu os sussurros desesperados de seu pai, mas ainda estava confuso e não conseguia se situar. Havia sido tudo um sonho?
Estava suado, a respiração acelerada e a respiração pesarosa. Ainda era noite e aparentemente não levantara da cama, contudo podia sentir perfeitamente aquela sensação horrível que tivera em seu sonho.
Pôs a mão sobre a cabeça, fechando os olhos, sentindo-a latejar.
— Pela lua, Jungkook, levante-se! — Outra vez, o homem que já possuía alguns muitos fios brancos enfeitando sua cabeça, foi até o filho, o erguendo as pressas. — Com o que estivera sonhando? Quando cheguei aqui, tu havia assumido a forma lupina. Quantas vezes disse-lhe para não o fazer? Quando irá escutar-me, moleque?
O senhor Jeon falava apressado, em seu tom havia muito mais do que preocupação; Jungkook identificou como medo. E somente então, parou para analisar o que estava havendo.
Porque seu pai estava ali? E porque embalava suas coisas com tamanha rapidez?
— Pai, o que estás fazendo? — Foi até ao mais velho, segurando-lhe as mãos e o fazendo lhe olhar.
Preocupou-se ao ver os olhos do beta marejados. Mas logo, ele desviou de seu contato e voltou a colocar mais algumas frutas e legumes na pequena trouxa improvisada.
— O que está havendo? — Foi até ele, que jogou algumas roupas em sua direção. — Pelo amor da lua, pode dizer-me o que está acontecendo? Estou ficando preocupado, pai!
— Não me faça perguntas, Jungkook. Apenas vista-se. Faça o que eu mando. — Ele disse-lhe, rígido, enquanto caminhava apressado até o lado de fora.
O castanho não tardou a segui-lo, enquanto passava pelo tronco, a camisa grande branca — que cobria todo o seu braço e pescoço, possuindo alguns babados característicos nas três pontas — e um colete marrom, cujo qual tivera de entrelaçar as cordas dos dois lados juntas, prendendo-o no corpo e por último, suas botinas pretas.
Estranhou ainda mais quando notou seu progenitor entrar no estábulo e também o fez, vendo-o desamarrar o seu cavalo e o puxar para fora, às pressas.
— Tome. — Entregou para si a trouxa, junto de uma capa negra com capuz que cobriu parte de seu rosto ao ser vestida, e logo o guiou até ao cavalo — Suba.
— Pai… — Choramingou, preocupado.
— Não me questione, Jungkook! — Gritou, sendo rude. — Sobe.
O mais novo sentiu seus olhos marejarem ao ver seu tão amado pai naquele estado, e obedeceu; montando sobre seu cavalo.
— Escute. — Olhou-o de cima — Não diga teu sobrenome à pessoa alguma, não assuma tua forma lupina, não vá ao centro da floresta e nunca, em hipótese alguma, Jeon Jeongguk — Ele encarou-lhe firme — Nunca deixe que vejam a tua marca.
— Mas, pai… — Abriu a boca, pronto para contestar, contudo, não teve tempo, pois o homem deu uma tapa forte em seu cavalo, fazendo-o começar a correr desenfreado para longe.
O garoto, desesperado, olhou para trás, podendo ter o breve vislumbre de seu querido pai acenando para si com os olhos lacrimejando, enquanto sorria como se dissesse que está tudo bem.
Mas Jungkook sabia. Ele sabia que nada estava bem.
Mas o que poderia fazer? Nunca desobedeceu uma ordem de seu pai, tinha muito respeito por si e plena ciência de que ele sabia o que estava fazendo. Seu coração doía e as lágrimas grossas escorriam pesadas pela sua face, nublando sua visão e o impedindo-o de enxergar um palmo à sua frente.
Fechou os olhos, debruçando a cabeça sobre o seu cavalo e soluçando baixo, enquanto deixava-o guiar-lhe para onde quer que fosse. Entretanto, assustou-se ao perceber que o animal estava sempre seguindo a linha reta e em uma velocidade absurda. Ao erguer a cabeça e piscar várias vezes, suas pupilas tornaram-se duas fendas ao constatar que, sim, ele estava levando-o justamente para onde não deveria ir.
— Ei, ei, ei. — Ergueu o tronco, dando alguns tapinhas no quadrúpede, tentando fazê-lo parar ou seguir outra direção.
Contudo, ele apenas aumentou ainda mais a velocidade, fazendo seu corpo subir e descer com brusquidão em meio às cavalgadas.
— Calma, garoto. — Pediu, umedecendo os lábios rachados pelo frio da madrugada.
Ao forçar sua visão, Jeon franziu o cenho ao notar, poucos metro à sua frente, um grande muro de pedra; onde eles, com certeza, iriam bater caso aquilo continuasse.
— Angus, para!
O animal não lhe deu ouvidos, continuou correndo em direção ao centro da mata. Jungkook desesperou-se ainda mais quando sua audição apurada de um lupus captou passos que não pertenciam ao seu cavalo.
O corpo todo entrou em alerta e quando menos esperou, um tigre enorme se pôs na sua frente. Angus relinchou, retirando as patas dianteiras do chão, em reflexo, quando o felino saltou em sua direção, as presas afiadas de fora, atacando-os.
Logo viera mais um e mais outro. Quando deu por si, estava cercado e encurralado por aqueles seres de uma raça oposta à sua e porte grande; com dentes e unhas prontificadas para arrancar seu pescoço se fosse preciso. O equino estava descontrolado, e deixou que suas patas erguidas voltassem a se apoiar no chão usando uma força descomunal, que fez o corpo de seu dono sofrer o impacto, devido a falta de sela e outros equipamentos que não tivera tempo de colocar.
Tudo aconteceu de forma rápida demais para o castanho, que, pelo movimento brusco de seu cavalo, não teve tempo o suficiente para agarrar com firmeza a corda de couro e acabou por cair do cavalo.
Angus não perdeu tempo em sair correndo por outro lado daquela mata imensa e Jungkook teria praguejado seu animal covarde caso não estivesse cercado por vários tigres enormes e prontos para lhe atacar.Fechou os olhos.
— Perdoe-me, meu pai. Mas não possuo outra opção neste momento.
E mal fechou a boca, antes que a pelugem negra e avermelhada cobrisse sua pele e estivesse de quatro, rosnando ameaçadoramente na direção daqueles bichos.
Era maior que eles; tinha o gene de um lobo lupus, afinal. Porém, os felinos estavam em maior número e isso não era nenhum pouco bom para si.
Eles começaram a andar em círculo ao seu redor, não se deixando intimidar pelos rosnados ferozes que liberava. Impaciente e inexperiente no combate corpo a corpo — ainda mais naquela forma que poderia contar nos dedos as vezes que havia assumido — Jungkook atacou primeiro, não obtendo êxito quando aquilo era o que seus inimigos desejavam.
Antes que suas garras e presas pudessem alcançar o pescoço do maior tigre, o mesmo foi mais rápido em pôr as patas em seu peito e empurrá-lo com força para trás.
Seu corpo foi arremeçado e um calafrio horrível percorreu o corpo másculo. Jeon teve a sensação de estar atravessando uma coisa molhada e fria, em uma velocidade tão mínima que chegou a causar-lhe medo; era como se estivesse sendo sugado.
Quando aquilo se findou, caiu sobre o chão com força, fazendo toda sua estrutura doer pelo impacto. Fechou os olhos, grunhindo baixo e entrecortado.
Ao abri-los novamente, assustou-se ao dar de cara com aquela mesma grande parede, à centímetros de si; só que, estranhamente, era como se estivesse do outro lado dela.
Foi quando arregalou os olhos e ergueu-se bruscamente, correndo até ao lugar e espalmando suas mãos ali, desesperando-se ao notar que estava dura e firme.
Como diabos ele atravessou aquilo? Será que…
— Ah, não. — Murmurou, virando-se.
Todos os seus músculos relaxaram de uma forma estranha e sua boca entreabriu-se ao perceber que, sim, ele havia atravessado a barreira proibida.
E a prova incontestável era aquele chão feito de uma grossa camada de neve, às árvores grandes e sem folhas, com os galhos cobertos pelo branco, e, principalmente, o imenso castelo negro, com muitas torres que possuíam grandes picos em suas pontas.
— Oh, meu deus…
O alfa nunca fora de sentir medo, e não se orgulharia em dizer que estava o sentindo agora; seu coração sairia pela boca caso não fugisse dali logo.
Virou-se para ir embora — rezando que conseguisse atravessar aquela porcaria de novo. Era melhor lutar contra seis tigres enormes do que estar naquele lugar amedrontador.
Fechou os olhos e estava prestes a se jogar contra o muro de pedras, quando um ar gélido tocou sua nuca, deixando o arrepiado e em seguida, ouviu uma voz. A mesma voz de seu sonho.
Medo. Esta palavra definia Jungkook naquele momento; porém, a curiosidade ultrapassava.
Virou-se lentamente, sentindo-se entorpecer por aquela música enquanto seus pés lhe guiavam involuntariamente mais para dentro.
A voz vinha de dentro do castelo e para chegar até lá, ele teria que passar pelo meio de dois altos pequenos muros de plantas. Respirou fundo e continuou seu caminho, adentrando o lugar, que mais se assemelhava à um labirinto.
A voz se tornava mais melodiosa e bela à cada passo, e teria chegado até aos grandes portões se sua atenção não houvesse sido captada ao notar que aquelas paredes verdes estavam enfeitadas por muitas rosas brancas; eram lindas.
Seus olhos focaram nelas e acabou por desviar seu caminho, indo até ali. Sorriu involuntariamente — era estranho pois, apesar de amar descomunalmente aquele tipo específico de flor, nunca havia visto uma; exceto nos livros antigos que costumava pegar escondido na seção reservada da biblioteca da vila.
Mas não pensou muito antes de se aproximar e estender sua mão em direção à ela. Tocou uma pétala com cuidado, sentindo-a orvalhada. Umedeceu os lábios, sentindo vontade de pegá-la para si.
Horas, haviam tantas e ele não possuía uma sequer. Que mal havia furtar uma bela flor?
Fechou os olhos e respirou fundo. Não era de seu feitio fazer algo deste tipo; repugnava qualquer pessoa que ousasse roubar o mais mínimo sequer. Contudo, não podia evitar. Quebrou o caule de uma delas e sorriu, ao tê-la em sua mão.
Somente então, notou que o canto havia parado e deu graças, porque assim, poderia sair logo dali. À essas horas, os tigres provavelmente já teriam ido embora e… Merda, estava nu — Exceto pela grande capa negra, que cobria seu pescoço, costas e ombros; ela já havia caído de sua cabeça. — Perdera suas vestes quando transformaram-se em lobo. Iria atravessar logo a barreira e vestir uma das roupas que estavam em sua pequena bagagem — que, por sorte, não havia se rompido, mesmo que estivesse amarrada em seu tronco.
Teria conseguido concluir seus planos caso, ao se virar, não tivesse dado de cara com uma lâmina afiada apontada bem para o seu pescoço.
Arregalou os olhos e fitou-os no homem que a empunhava, lançando-lhe um olhar mortal e ameaçador.
— Quem é você e o que faz aqui?
A voz dele era extremamente grossa, e com certeza era mais alto que si; estava escuro, mas a lua iluminava sua silhueta e parte do rosto. Engoliu em seco, sem saber o que dizer.
Era ele a tal fera?
— O que está acontecendo aqui?
Jungkook virou a cabeça lentamente — com medo de que um movimento brusco pudesse arrancá-la fora — e seus olhos brilharam imediatamente, as palavras sendo roubadas de sua boca.
Era o ser mais belo que já vira em toda a sua vida; Os cabelos cinzentos e a pele pálida, a boca era cheinha e rosada. Trajava vestes longas e em tons de preto e azul extremamente escuro — Jungkook desejava poder dizer que não estava reparando naquelas pernas marcadas em uma calça preta extremamente apertada, mas era impossível — e cheiro… Ah, o cheiro.
Rosas vermelhas.
Mesmo que nunca tivera cheirado uma na vida; Jeongguk podia identificá-las. Nunca se confundiria.
— Responda-me, intruso. — Fora despertado de seus devaneios quando aquela voz bonita adentrou-lhe os ouvidos com uma rispidez que o fez dar um pequeno pulo — O que faz em minha propriedade?
— E-Eu… — O que iria dizer? Será que alguém acreditaria caso dissesse que somente estava de passagem? — E-Eu não sei, eu só… Entrei. Por acidente. Mas eu já estou indo embora, com licença.
Tentou se esquivar e fugir, porém, o homem alto encostou a espada em seu pescoço, fazendo-o erguer as mãos acima do peito e engolir a seco.
— Oh Ho! — Ele repreendeu-lhe — Como ousa faltar com respeito à Vossa Alteza?
Arregalou os olhos, encarando o cinzento que lhe mantinha um semblante sério e imparcial.
Então aquele era o príncipe? A fera?
Recompôs-se no segundo seguinte, ao sentir a impaciência do homem que estava prestes a lhe matar por um pequeno deslize e fez seu melhor esforço para se curvar respeitosamente, temeroso.
— Perdoe-me pela indelicadeza, sua alteza. — Murmurou, com a respiração acelerada.
— Erga-se e diga-me, como entrou aqui? — O castanho fechou os olhos e molhou os lábios com sua saliva, antes de ajeitar a postura.
Abriu a boca para responder, porém, viu os olhos escuros do príncipe cair sobre a rosa que possuía em mãos; não teve tempo de escondê-la antes que o ômega lhe olhasse com indignação e fúria.
— Você tocou no meu jardim? — Ele gritou-lhe, e o Jeon arregalou os olhos, erguendo as mãos na frente do corpo, pronto para negar ou o que quer que fosse.
Porém, para o seu azar, a rosa branca caiu no chão e se despetalou, deixando o baixinho ainda mais irritado que antes. Ele começou a murmurar rapidamente palavras estranhas em uma língua que não reconheceu, e isso lhe apavorou.
— N-Não, espera! Eu posso ex…
Não conseguiu terminar sua frase, pois logo, uma sensação súbita de cansaço lhe apossou, e seus olhos escureceram.
Caiu no chão, sem forças e tudo que pôde ver foi os olhos do acinzentado tomando uma coloração azul-esbranquiçada enquanto ele lhe fitava, antes que seu corpo fosse absorvido em um sono profundo.
Malditas rosas e os problemas que elas lhe causavam!
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